Monday, 16 March 2009

Homem de Conhecimento

Já faz algum tempo que estou querendo colocar aqui no blog este trecho do livro A Erva do Diabo (The Teachings of Dom Juan), do Castaneda. É a minha parte preferida deste livro, que conta sua história, quando conheceu Dom Juan e passou por um processo de aprendizado com este velho índio numa região remota no norte do México. Dom Juan sempre falava do "homem de conhecimento" nas conversas entre os dois, mas nunca havia entrado profundamente no assunto. Até que um dia, de tando Carlos insistir, e alegando que ele estaria voltando aos Estados Unidos e ficaria lá por alguns meses e gostaria de refletir sobre o assunto, o índiozão cedeu e naquela noite tiveram a seguinte conversa:


Quando um homem começa a aprender, ele nunca sabe muito claramente quais seus objetivos. Seu propósito é falho; sua intenção, vaga. Espera recompensas que nunca se materializarão, pois não conhece nada das dificuldades da aprendizagem. Devagar ele começa a aprender... a princípio pouco a pouco, e depois em porções grandes. E logo seus pensamentos entram em choque. O que ele aprende nunca é o que ele imaginava, de modo que começa a ter medo. Aprender nunca é o que se espera. E a cada passo da aprendizagem o medo torna-se maior. Seu propósito torna-se um campo de batalha.

E assim ele se depara com o primeiro de seus inimigos naturais: o MEDO! Um inimigo terrível, traiçoeiro e difícil de vencer. E se o homem, apavorado com sua presença, foge, seu inimigo terá posto um fim à sua busca.


- O que acontece com o homem se ele fugir com medo?

Nada lhe acontece, a não ser que nunca aprenderá. Nunca se tornará um homem de conhecimento.

- E o que pode ele fazer para vencer o medo?

Não deve fugir. Deve desafiar o medo dando passos à frente. Deve ter medo, plenamente, e no entanto não deve parar. E chegará um momento que o inimigo se recua. O homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito torna-se mais forte e aprender já não é mais uma tarefa aterradora. Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida, porque, em vez do medo, ele adquiriu a clareza. Uma clareza de espírito que apaga o medo. O homem sente que nada lhe oculta.

E assim ele encontra seu segundo inimigo: a CLAREZA! Essa clareza que elimina o medo também cega. A clareza dá ao homem a segurança de que ele pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. Ele é corajoso porque tem clareza e não pára diante de nada. Mas tudo isso é um engano. Vai precipitar-se quando deveria ser paciente, e vice-versa. E tateará com a aprendizagem até acabar incapaz de aprender mais qualquer coisa.

- O que acontece com um homem que é derrotado assim?

Seu inimigo impede de torná-lo um homem de conhecimento; em vez disso, torna-se um guerreiro valente ou um palhaço "sabe-tudo".

- O que o homem precisa fazer para vencer a clareza?

Para vencer a clareza o homem tem que utilizá-la só para ver e medir com cuidado antes de dar novos passos, pois acima de tudo sua clareza é quase um erro. E virá um momento que ele compreenderá que sua clareza era apenas um ponto diante de sua vista. Ele saberá a essa altura que o poder que vem buscando há tanto tempo é seu, enfim.

E assim ele encontra seu terceiro inimigo, o PODER! O poder é o mais forte de todos os inimigos. E naturalmente a coisa mais fácil é ceder, afinal de contas, o homem é realmente invencível. Ele comanda; começa correndo riscos calculados e termina estabelecendo regras, porque é um senhor. Um homem nesse estágio quase nem nota seu terceiro inimigo se aproximando. E de repente, sem saber, certamente terá perdido a batalha. Seu inimigo o terá transformado num homem cruel e caprichoso.

- E como o homem pode vencer seu terceiro inimigo?

Tem de desafiá-lo. Tem de vir a compreender que o poder que parece ter adquirido, na verdade, nunca é seu. Deve controlar-se em todas as ocasiões, tratando com cuidado e lealdade tudo o que aprendeu. Se conseguir ver que a clareza e o poder são piores do que os erros, ele chegará a um ponto em que tudo está controlado, e saberá como e quando utilizar o poder. Assim terá derrotado seu terceiro inimigo.

O homem estará então no fim de sua jornada do saber, e sem quase perceber encontrará seu último inimigo: a VELHICE! Este é o mais cruel de todos, o único que ele não conseguirá derrotar completamente, mas apenas afastar. É um momento em que todo o seu poder está controlado, mas também o momento em que ele sente um desejo irresistível de descansar. Se ele ceder completamente a seu desejo de se deitar e esquecer, se afundar na fadiga, perderá sua última batalha. Seu inimigo o reduzirá numa criatura velha e débil.

Mas se o homem sacode sua fadiga, e vive seu destino completamente, então poderá ser chamado de um homem de conhecimento, nem que seja no breve momento em que ele consegue lutar contra o seu último inimigo invencível. Esse momento de clareza, poder e conhecimento é o suficiente.